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Fernando Sincero

Lina Bo Bardi: entre a Itália e o Brasil

Atualizado: 21 de jan. de 2023

Ainda hoje, a presença feminina na arquitetura ao longo da história é negligenciada e, infelizmente, pouco estudada. A profissão ainda continua predominantemente exercida por homens, no entanto, muitas mulheres foram protagonistas de vários movimentos artísticos e arquitetônicos no passado, e continuam presentes até hoje.

Architetta Lina Bo Bardi seduta durante la costruzione del Museo d'Arte di San Paolo in Brasile.
Lina Bo Bardi. Fonte: https://www.worldartfoundations.com/fundacion-jumex-lina-bo-bardi-habitat/

Lina Bo Bardi, pseudônimo de Achillina Bo, nasceu em Roma em 1914, no início da Primeira Guerra Mundial, cidade onde cresceu e se formou em Arquitetura na Universidade Sapienza de Roma em 1939.


Lina decidiu se mudar para Milão em 1940, logo após a sua formatura, em um dos momentos mais sombrios da história da cidade. Lá teve a oportunidade de trabalhar com o arquiteto Gio Ponti, um dos mais importantes responsáveis ​​pelo sucesso do design italiano, e também com o jornalista Pietro Maria Bardi, que mais tarde se tornou seu marido. Ponti a colocou em contato com sua revista Domus, da qual foi coeditora por um curto período, e Stile, da qual se tornou colaboradora. Lina também trabalhou para a revista L'Illustrazione Italiana, fundada por Emilio Treves, e mais tarde fundou sua própria revista com a colaboração de Carlo Pagani e Bruno Zevi, A: Atualidade, Arquitetura, Habitação, Arte.


Seu estúdio em Milão foi destruído após os recorrentes bombardeios que ocorreram na cidade e este foi o gatilho para uma escolha que teria mudado seu futuro. Lina e o marido já tinham em mente a intenção de mudar de rumo e pensar em outras oportunidades profissionais, e a oferta de um importante colecionador de arte brasileiro durante sua visita ao Rio de Janeiro culminou na mudança do casal para uma nova nação.


Da Itália para o Brasil

Assis Chateaubriand, um dos mais conhecidos colecionadores de arte brasileira, recorreu a Lina e Pietro para o projeto, fundação e direção do novo Museu de Arte de São Paulo, e dada a predisposição a novas oportunidades, eles decidiram aproveitar a oportunidade e começar uma nova vida do outro lado do mundo, deixando a Itália em 1946.


Museo d'Arte di San Paolo visto dalla strada con vari pedoni davanti.
MASP (Museu de Arte de São Paulo). Fonte: http://codylee.co/2017/08/museu-de-arte-de-sao-paulo/

Desenhar, construir e administrar um dos centros culturais mais importantes do país foi uma grande responsabilidade para Lina e Pietro. O edifício, que se desdobra como uma ponte colossal de concreto e vidro suspensa no ar graças a dois enormes pórticos vermelhos, tornou-se um ícone da cidade de São Paulo e também uma das obras mais importantes da arquiteta. Aberto ao público em 1968, durante a Ditadura Militar (1964 - 1985) e na presença da Rainha Elizabeth II da Inglaterra, o museu possui uma grande praça no térreo e, no andar superior, um amplo espaço expositivo, ambos livre de partições. Desde a sua fundação e inauguração, o museu tem sido palco de vários protestos e reivindicações populares, é um edifício que acolhe as necessidades da população, uma espécie de protesto arquitetônico contra a opressão ideológica.


"Reivindicar o espaço público é uma forma de cuidar de si, e a maneira com a qual usamos o espaço público é a forma como expressamos a liberdade". Sekou Cooke

O MASP é um ícone do Modernismo Paulista, vertente do movimento moderno típico de São Paulo, que contrasta com o Modernismo Carioca, movimento arquitetônico contemporâneo ao movimento paulista, realizado no Rio de Janeiro, que teve como principal figura o famoso arquiteto Oscar Niemeyer. É difícil enquadrar o trabalho de Lina em um único estilo, pois suas obras são muito diferentes entre si, tanto em termos de estilo quanto de identidade regional.


Immagine storica della Casa di Vetro di Lina Bo Bardi a San Paolo in Brasile.
Casa de Vidro. Fonte: https://www.domusweb.it/it/notizie/2017/01/26/lina_bo_bardi_fehn1.html

Em 1951, Lina projetou e construiu a casa onde morou com o marido durante a maior parte da sua vida, a famosa Casa de Vidro. Circundada pela floresta tropical em um subúrbio de São Paulo, o prédio é uma palafita, ou em termos mais conceituais: uma caixa de vidro suspensa em uma colina e cercada pela natureza, tentando se conectar o máximo possível ao contexto da floresta. A residência foi seu primeiro projeto de grande prestígio e é um dos edifícios mais representativos da arquitetura moderna brasileira, em especial do Modernismo Paulista.


Lina Bo Bardi seduta sulla poltrona Bowl Chair.
Bowl Chair, Lina Bo Bardi. Fonte: https://bardisbowlchair.arper.com/

Simultaneamente ao projeto da casa, Lina também desenhou a famosa Bowl Chair, seu objeto de design mais famoso de todos os tempos, projetada especificamente para a nova configuração da casa moderna, e ainda mais especificamente para a Casa de Vidro, onde se encontravam os dois únicos exemplares da época.


Sempre acompanhada de seu marido, Pietro, Lina fundou a revista Habitat em 1951, ressaltando ainda mais seu forte interesse por jornalismo e crítica arquitetônica.


Uma nova abordagem para a arquitetura brasileira

Lina Bo Bardi nasceu e cresceu na Itália, país onde se formou em arquitetura e trabalhou com grandes nomes da arquitetura moderna italiana. Lina e Pietro eram imigrantes de primeira classe e profundamente enraizados no contexto brasileiro, país que Lina define como sua "nação por escolha", e desenvolve uma relação importante entre o Brasil e a Itália.


Scala in legno del Museo di Arte Moderna dell Bahia di Lina Bo Bardi.
MAMB (Museu de Arte Moderna da Bahia). Fonte: https://br.pinterest.com/pin/186688347028235677/

Viveu durante sete anos de sua vida em Salvador, cidade onde não só teve a oportunidade de mergulhar totalmente na cultura e tradição brasileira, mas também realizou diversos projetos que mudaram radicalmente a paisagem da arquitetura contemporânea do país. Ao contrário de outras obras modernistas que transpuseram a linguagem arquitetônica europeia para o Brasil, Lina inspirou-se nas tradições locais anteriores ao movimento moderno como base para seus projetos, dando a seus edifícios uma forte identidade nacional. Os projetos mais aclamados na região Nordeste são o Museu de Arte Moderna da Bahia (MAMB) e o Museu de Arte Popular, o Teatro Gregório Matos e a Casa do Benin.


Durante a década de 1980, seu trabalho baseou-se apenas na requalificação do centro histórico de Salvador após seu reconhecimento como Patrimônio Mundial da UNESCO.


Facciata in calcestruzzo in vista dietro il magazzino ristrutturato.
Sesc Fábrica Pompeia. Fonte: https://www.likealocalguide.com/sao-paulo/sesc-pompeia

Os prédios de concreto aparente e as aberturas irregulares são característicos não só de sua obra nordestina, mas também de outro ícone da cidade de São Paulo, o Centro Cultural Sesc Fábrica Pompeia. Os imensos blocos de concreto ligados pelas várias passarelas, os painéis de madeira vermelha e o antigo armazém recuperado e reaproveitado fazem agora parte da imagem e identidade coletiva não só do próprio centro cultural, mas de toda a cidade.


Interno del Teatro Oficina di Lina Bo Bardi con le impalcature sulle laterali.
Teatro Oficina. Fonte: https://www.flickr.com/photos/quincampoixx/6336994405

Sempre em São Paulo, Lina projetou o Teatro Oficina, obra de particular compromisso político, social e cultural. O projeto é uma ruptura com a tipologia teatral clássica: não há limite entre os atores, que apresentam o espetáculo no meio de uma estrada interna que se liga à cidade, e o público, que assiste de uma série de andaimes leves e removíveis instalado nas laterais da estrada mencionada.


Lina Bo Bardi foi uma arquiteta revolucionária para a arquitetura brasileira, resgatando valores históricos nacionais e reconectando-os à arquitetura contemporânea. A sua obra é a materialização das necessidades de uma sociedade e das suas tradições, reforçando a ideia de que a arquitetura diz respeito essencialmente às pessoas e às interações sociais.

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